18 de fevereiro de 2012

A FLOR AZUL (1)




Li em algum lugar, talvez colhida do grande cabedal imaginário que habita a alma do mundo, talvez nas histórias da avó de um tal de João, que no passado acontecia das bruxas enamorarem-se pelos homens e que em muitas ocasiões, os pobres mortais se apaixonavam pela bruxas.

No segundo caso, a consequência de não poder culminar esses amores impulsionava os pobres moços abduzidos e encantados pelas feiticeiras a buscar a imortalidade tranformando-se em astutos políticos ou em algo ainda mais nobre, pobres poetas.

De vez em quando acontecia do rapaz ser um pobre poeta. Se perseverava em sua fidalguia, podia conseguir romper o coração da bruxa. Ela então, mais racional do que seu enamorado, sentindo-se presa por um amor mortal, chorava sua eterna amargura com uma só lágrima. Dizia a lenda que se a lágrima caísse no chão próxima a um choupo, daria origem a uma roseira da qual brotariam rosas azuis. Há muitos e muitos anos, ao pé de quatro choupos no rosal asturiano de Olviedo,  floresciam rosas azuis no solstício de verão.

Por algum motivo que desconheço, determinados símbolos nos percorrem alma como se estivessem grudados nas enzimas do sangue. Por que o que me significa não é "a" mas sim "b"? Por que não arregalo os olhos frente a idéia de um cavalo alado mas sinto meus olhos fluirem só em pensar em uma flor azul? Muito antes de me deparar com as horríveis rosas pintadas de anelina, grito do "kitsch", já reconhecia a flor azul como um símbolo do impossível. Efeito sessão da tarde, sem dúvida, já que não li românticos alemães na infância. E ao conhecer a obra de Novalis apenas me certifiquei do que já sabia: "O que desejo ver é a flor azul. Sua imagem não me abandona". E fui percorrendo histórias. Para não deixar barato, ainda a poesia de Samuel Coleridge: "E se você dormisse? E se você sonhasse? E se, em seu sonho, você fosse ao Paraíso e lá colhesse uma flor bela e estranha? E se, ao despertar, você tivesse a flor entre as mãos? Ah, e então?" 

A flor azul seria a encarnação da perfeição, do amor impossível, da raridade, da pureza máxima, da inocência, da cura, da imaginação criativa, da utopia e da imortalidade. Há uma certa tristeza nela e alguma solidão. Flor líquida e aérea, azul da água e do céu. A graça da flor azul é sua impossibilidade natural. Uma rosa azul seria o Santo Graal das flores.

A imagem é reiterada poeticamente por Pablo Neruda, que a cita em pelo menos em uns cinco poemas. Em Batman Begins, da flor azul é feito o alucinógeno que desperta em Bruce Wayne os seus maiores medos - substância que, mais tarde, será derramada no abastecimento de água de Gotham City para despertar as fobias da população. Seria a flor azul de Batman, uma papoula?


No filme O Labirinto de um Fauno, de Guillermo del Toro, ei-la novamente:


"Há muitos e muitos anos, em um país longínquo e triste, existia uma enorme montanha de pedra negra e áspera. Ao cair da tarde, em cima dessa montanha, florescia todas as noites uma rosa que concedia a imortalidade. Uma rosa azul. Seu espinhoso caule cobria e rodeava toda a volta da escarpada ponta negra da montanha de granito. Os espinhos cresciam ao redor da rocha como serpentes que a sufocavam. Mas nada nem ninguém se atrevia a aproximar-se dela, pois seus numerosos espinhos estavam envenenados.  Entre os homens só se falava do medo da morte e da dor, mas nunca da promessa de imortalidade. E todas as tardes a rosa murchava sem poder outorgar seus dons a nenhuma pessoa. Esquecida e perdida em cima da montanha de pedra fria, sozinha até o final dos tempos. "

Inventaram então os japoneses, esses loucos, a tal rosa azul, por mutação genética. Ah, dirão alguns, mas é só um experimento, como outros que estão aí. Clones, dolllys.... Mas não. A criação da rosa azul altera e alcança a dimensão do simbólico. Seria o mesmo se amanhã ao abrir a janela, me deparasse com um unicórnio atravessando o jardim.

Até porque de azul, basta a beleza dos miosótis e seu anil de estrelas. A Rosa Azul. A única flor azul no topo de uma montanha.


Zoe de Camaris

SORTE SUA


Um dia é da caça - outro, do caçador. Tudo gira, o mundo muda, única constante. Às vezes o giro é tão rápido que nos lança fora da roda - não raro quando desejamos colher no inverno os frutos do verão. Nosso peso altera o ritmo da roda. Vale sossegar a alma e acompanhar, no olho do furacão, seu movimento belo e terrível. A Fortuna. Um lance de dados nunca abolirá o acaso. Regnabo, regno, regnavi. Estrela cadente. Dizem que quem tem sorte no amor não joga cartas. Será que quem joga cartas tem, necessariamente, pouca sorte no amor?

Diviníssima Providência, serendipity.
Alea jacta est. A sorte está lançada.