3 de abril de 2010

Sábado de Aleluia


A malhação de Judas
Afinal, a vítima é o traidor ou o traído? – Uma questão de ponto de vista, diria o Homem Pendurado, acostumado com mudanças bruscas de perspectiva - acordei pensando neste sábado de Aleluia. Oportuno lembrar do tema "traição" enquanto se malha o Judas, aquele que entregou Jesus por 30 moedas de prata segundo a versão tradicional. Outros dizem que Judas era o melhor amigo de Jesus, seu guarda-costas. Nesse ângulo de visão teria ajudado o Filho do Homem a cumprir seu destino. 'Mui amigo', mas vá lá. A questão é paradoxal mesmo. Ainda mais para um arcano que está naturalmente de ponta-cabeça.


Wirth
Tem um lance no Direito que se chama "Vitimização". A pessoa provoca provoca e provoca alguém. Um dia o provocado fica bravo e castiga o provocador que, rapidamente, toma o lugar de vítima. Louco isso, a troca rápida de papéis entre o verdadeiro bode expiatório e seu algoz. Aí tem aquela fala: - Só se coloca no papel de vítima quem quer - no caso, o provocado. Haveria então um acordo praticamente tácito de alimentação entre o algoz e a vítima. Acontece entre os sado-masoquistas e também entre os que não acham que sejam sado-masoquistas. Mas nem assim encontramos uma regra.

Nem sempre a vítima é causadora da sua dor como rezam os aficcionados pela Tábua da Esmeralda e os adoradores de "O Segredo". Existem os inocentes, completamente inocentes e que entram pelo cano. Aqueles que acreditaram, que botaram fé, que deram de si o melhor. Que fizeram tudo que estava ao seu alcance. Que têm gestos positivos e de repente... Lá se foi o tapete.

Por mais que se rodeie o assunto parece que sempre voltamos ao ponto de partida, o eterno retorno. Como se O Pendurado no Tarot ficasse girando feito A Roda da Fortuna e nos colocasse tontos.

Tem também o traidor, o algoz, que é verdeiramente traidor. Mas ele costuma ter justificativas para o gesto que, provavelmente, não chama de traição. Razões pessoais para voltar atrás no que foi combinado "na ponta do bigode", no "acordo de cavalheiros". Rói a corda. A nossa corda. Porque a própria corda é dificil, a não ser que o traidor tenha feito muitas abdominais e tenha um belo tanquinho. Movimento de iogue. Confuso esse arcano XII.



O Pendurado é o traidor ou a vítima?

É uma sensação horrível a de ser traido. Ao susto (traição sempre tem a ver com o medo) segue-se a dor e a revolta. Só quando perdoamos, nos entregamos, desistimos, que a dor da traição passa. Até lá ficamos pendurados, presos na mágoa. Causamos pena e compaixão. Perdoar nos liberta.

Curiosamente, não existe o efeito retórico, só o prático. Se não há verdadeiro perdão, não acontece nada. A corda continua firme.

E se a idéia é se vingar do sacana, o ódio toma conta do coração. E o traidor está lá, passeando de barquinho enquanto você espuma de raiva. A vingança é um prato que se serve frio, dizemos mentalmente. E alguns acreditam mesmo em justiça divina.

Mas não será a verdadeira vítima o traidor, execrado em praça pública, apedrejado, exposto pela propria traição? Não sofrerá o traidor (ainda neste mundo) as penas decorrentes do seu gesto em foro íntimo? Uma questão de consciência:



Há os traidores arrependidos que podem inverter sua posição rapidamente. De traidores passam a heróis. A verdade sempre nos favorece, diz um amigo. A verdade funciona como um escudo, causando maravilhas, mesmo que venha atrasada. E há os que não se arrependem nunca e também se tornam heróis. E a mentira permanece. A traição é um conceito que mexe de frente com a questão da verdade e da mentira.

Não sei qual versão está certa, se Judas-Capitu traiu mesmo Bentinho. Sei que o gesto de malhar o Judas é catalisador. Melhor queimar o boneco como um rito de passagem. Marcar a testa do Espantalho com nossa fúria, aquele covarde: - Loser! gritamos em côro. Vale como gesto simbólico, esse costume popular tão antigo.


Minchiate

E reafirma que o arquétipo continua vivíssimo. Que medre então e de preferência, bem longe de nós, afinal só existe um Sábado de Aleluia ao ano. Mas se assim não for que a dor se revista do sacro-ofício, o sacrifício sagrado, naquele que encontra um sentido maior para o sofrimento.


Mas eu nunca gostei dessa história de crescer através da dor.


Zoe