4 de agosto de 2009

Como me sinto quando me apaixono

Depois de meses off-line, estou pronta para voltar ao Tarot com meu pique normal. Ou melhor, quase pronta. Ainda estou finalizando alguns projetos para outubro e dando uma sacolejada nos meus trabalhos literários. Mas prometo responder em breve aos comentários, preparar novos textos para o blog, para Revista Personare (que agora está em Portugal!) e para o Clube do Tarot. Enquanto não dou o start, deliciem-se com o artigo que meu amigo Rodrigo Garcia Lopes escreveu para Revista Cláudia. Amei. E tenho certeza que vocês vão se encantar também. É raro ler um homem falando assim tão diretamente sobre o estado maluco que é apaixonar-se. Assunto que, cá pra nós, mais do nos interessa... Boa leitura!


Abraços,

Zoe

Arcano VI- Tarot Haileris



COMO ME SINTO QUANDO ME APAIXONO
Rodrigo Garcia Lopes



De cara, me vem a frase de Rimbaud: na paixão, "eu é um outro". Ou penso no que costuma dizer um amigo: o fim da paixão coincide com a descoberta de que "um é pouco, dois é muito". A paixão, antes, era uma promessa de felicidade. Hoje, desconfio que antes eu não me sentia: as coisas é que começavam a sentir, a sofrerem em mim. A memória de um rosto ou de uma voz é o que me deixava sentindo, sentindo. Sobretudo a memória de uma presença, ou aquilo que os antigos chamavam de musa. Pois só uma musa é capaz de despertar essa música em nós, essa irmã da paixão chamada poesia, e que nos leva a escrever coisas "sem sentido" como: "Imprimo em seus lábios lírios & jasmins / primícias de cetim em toques de neve / mixo a ti e a mim nesses senfins / gravo na boca o cheiro bom do cravo. / Nenhuma nóia a nos tocar se atreve. // Ligado, digito os terminais dos teus sentidos / Regulo o foco do deleite, chupo teus bits & bytes, / Quando a aurora goza um sono rosa, Danaê, acredite: / com sentidos assim, quem precisa de inimigos? [...]. Sim, a paixão é uma mulher de olhos invisíveis.

Dizer que a paixão implica em perda da razão não parece correto. Talvez seja mais apropriado dizer que a paixão carrega uma outra razão. A paixão, para mim, é como a leitura de um poema. Ou nos arrebata ou não é poesia. Nem paixão. A paixão é como uma palavra, num poema, uma palavra que busca uma rima. Quando duas palavras se beijam, nasce a poesia. Para mim, a paixão tem a ver com aquela "realidade ficcional" na qual estamos imersos quando lemos um romance: uma suspensão temporária do descrédito do mundo e do outro. Mas, antes que acabe, "posto que é chama", pintam os sintomas: insônia (pensa-se naquela pessoa), suores e tremores nas mãos (pensa-se naquela pessoa), enfim, dispara-se um mecanismo mental obsessivo (pensa-se naquela pessoa). A paixão é patética (palavra-irmã de paixão). Pateta é a pessoa apaixonada. Um marmanjo passa a se comportar como um adolescente. Não há como escapar.

A paixão, como a poesia, não tem muito sentido num mundo regido cada vez mais por valores como Mercado e Sucesso. Pois a paixão não é um valor: ela é um bem, um talento, uma espécie de reserva ecológica da sensibilidade. Em nossos dias, a paixão virou artigo de luxo. A arte de padecer por um amor está se tornando tão exótica quanto a poesia, uma arte mais e mais restrita a iniciados, como o foram a falconaria, a numismática, a filatelia. Pois para o que serve esse negócio que nos acossa, nos deixa em estado de transe, de sítio, de alerta, de poesia? Nesses nossos dias velozes e superficiais, ninguém parece ter mais tempo para o tempo que a paixão exige. O mundo deveria se adaptar à paixão, e não o contrário.

Apesar de já termos visto e vivido o filme da paixão, o fascínio que o outro pode exercer em nós nos faz cair, como patos, nessa lagoa que os gregos chamavam de... pathós: sofrimento. Parece que se a paixão não carrega este componente de dor, não é paixão. Lembro, em cenas que hoje fazem parte definitiva de minhas amnésias afetivas, que a ausência da pessoa pela qual estava apaixonado provocava em mim os mais estranhos pensamentos. Hoje penso que essa projeção é a de nossa própria imagem. Como tentar agarrar o próprio reflexo num espelho, como no mito de Narciso. E tem outro problema: a paixão sonha eliminar a solidão, o que é uma impossibilidade. E é bom mesmo que "seja eterno enquanto dure": nossas expectativas em relação à pessoa-objeto de nossa paixão são quase sempre inatingíveis. Pois mesmo que apaixonar-se seja uma forma de "dor elegante", como diria Leminski, implica uma situação de estresse emocional e afetivo que nenhum ser humano pode suportar por longos períodos, sob pena de enlouquecer, e aí não seria mais paixão. Pois a paixão é um pensamento são num mundo insano. Quanto dura o filme da paixão? As personagens mudam, a paixão, não. Para mim, a paixão é como um daqueles paraísos perdidos: Mu, Atlântida, Agartha, Shambala, praia de Dido. Vê, já estou apaixonado e falando coisas sem sentido.




Rodrigo Garcia Lopes é escritor, poeta, jornalista, tradutor (Sylvia Plath, Rimbaud, Whitman, Laura Riding) e compositor, autor do CD de música e poesia Polivox, e dos livros de poemas Solarium, Visibilia, Polivox, Nômada. É um dos editores da revista Coyote e autor do blog http://www.estudiorealidade.blogspot.com/