13 de julho de 2006

Naturalidade


A Estrela / Klimt Tarot

É uma pena que na reprodução da lâmina não salte o ornamento dourado do Klimt Tarot, assim como é entre os dedos. Deck para ser usado uma vez ou outra, ao sol, sobre tecido negro. Talvez numa noite de lua cheia, pano branco, velas abertas - não sei. Funcionou bem sob a luz do sol na minha varanda. Inesquecível. Meu cachorro escolheu uma carta com a pata. Pensei em oferecer-lhe algumas considerações, entre a sala e o jardim.

Assim que o sol se foi, guardei o maço. E só o revi pra valer agora, na aula sobre o naipe de Ouros - que, diga-se de passagem, foi agraciada por um farto jantar no melhor estilo 9 de pentáculos + 3 de copas. Só podia ser.

Muito boa a minha vida de professora. Estou quase acreditando que faço isso direito. Resultados se mostram, não só na participação dos alunos, nas suas criações e novas leituras, mas também na forma com que essa interação se dá - aulas que, sem querer, se tornam temáticas. Mas não tergiversemos, voltemos ao tarot dourado.

Ganhei de uma consulente o mimo klimtiano. A moça em questão é recém-amiga, com quem muito me folgo trocando figurinhas - Jornada nas Estrelas é já. Uma dona Interestelar, sem dúvida. Corre-cometa todo o planeta em aviões prateados e nos gaviões de pupila apurada. Olha só o que ela me falou do seu último vôo, já entre o lápis-lazúli de Cleópatra:

"(...) um vôo que parecia um filme de Fellini, ou uma comédia do Monty Phyton... elenco da história da humanidade: núcleo dos judeus ortodoxos (daqueles de chapéu e barbinhaencaracolada), dos muçulmanos, dos gaúchos (não ri não), dos argentinos que moraram em Toledo e falavam 'sumo' com a língua presa, dos nigerianos, da velhinha que fez drama por não comer ovos mexidos no café, uns caras religiosos vestidos de cavaleiros da cruzada (eu deveria ter tirado uma foto pois ninguém acreditaria nisso) e, finalmente, como convidados especialíssimos, um casal na classe executiva (onde eu trabalhei). Ela queria dar a vida por um pijama da primeira classe (que a comissária aqui gentilmente negou) e depois desfilou pela cabine com uma peruca na mão. Ele, um chato de galocha que nunca ouviu falar em 'por favor' na vida, de língua presa e espaçooooooso toda vida, além de um porquinho de marca maior. Como disse minha chefe, 'they are obsessed...'.Deu para imaginar tudo isso? Ainda dizem que comissária pega a malinha evai passear nas Zorópias...Pois é amiga, ô dinheirinho suado meu Deus (...)


Que vôo, hein Clau? Leva o Murilo Mendes na valise pra bater um papo contigo da próxima vez.


O deck em foco é Golden Tarot of Klimt, desenhado por A. A. Atassanoiv e inspirado nas alegorias do artista vienense. Quem tem um estudo muito bacana sobre Klimt Tarot é Erika Hirs - que poderia muita bem entregar o ouro e deixar que eu o publicasse. É uma fera em História do Tarot e trabalha com sensibilidade sua conexão com as Artes Plásticas.


E quem manda bala na Estrela é Phoenix, em seu inspirado artigo sobre sua sedução, vidência e narciscismo. Gabriela, Vênus, Oxum, Norma Jean Marilyn, Pandora e Deneuve, pra você ter uma idéia. É só acessar o link acima e achar no Mito e Magia a direção.


As Estrelas / litografia de Roberto Matta

Enfim, esse conversê todo porque meu namorado me deliciou com um livro muito acalentado - chama-se Arcano 17, de André Breton. Faz três dias que delicadamente me debruço sobre o Mestre do Amor Sublime, antes de apagar a luz. Ninguém conseguiu tomar a Estrela assim, tão multicor, acácia e borboleta. E nem compreendê-la em sua delicadeza e altivez. Breton reconstitui o bloco de luz, sonhando.

Nem tão dourado, nem tão fatal, muito menos maluco.


E eu vou dormir.


Estrela na testa para todos,
Zoe

12 de julho de 2006





Moçada,


Estarei em São Paulo a partir de sábado, dia 12 de julho, atendendo consultas e ministrando um workshop. Quem quiser agendar, por gentileza, me mande um email.

Curitiba que se cuide, os bruxos estão pegando suas vassouras ... o tempo urge e o leão ruge.

Mais informações em www.consultastarot.blogspot.com


Abraços,
Zoe

3 de julho de 2006

A Cartomante


Minhas pernas circulavam num céu de sabão, quando uma mulher que de tão morena parecia a estátua da Fatalidade plantou-se diante de mim. Imediatamente nasceram dois baralhos de suas mãos. Diversos senadores, choferes, estudantes, operários e o núncio apostólico suicidaram-se na frente dela. Eu também devo ter me suicidado, só que o poeta é o tipo do sobrevivente. Ela ainda agarrou pela aba do roupão o banhista José, mas o herói deslizou na primeira onda de som e caiu no mar. A mulher soltava mentiras a todo instante. Cada vez que ela soltava uma mentira, nascia uma roseira. Em breve a praça tornou-se coalhada de roseiras com seus cinemas, suas confeitarias, seus bordéis, seus anúncios luminosos, seus bancos, suas guilhotinas. Os peixes cintilavam no céu, e, movendo graciosamente as barbatanas, faziam vibrar a música das esferas. Diante do espetáculo da ordem da criação, meu espírito bárbaro levantou as camadas de sífilis e de pesadelo que me legaram os retratos de meus avós cretinos, e gritou diante do mar coalhado de paquetes: "Mulher que pareces contemporânea do 1º tempo do espírito, explique-me, ô anjo máquina de costura-caos, por que existe um limite para a desarmonia; por que os anjos não atropelam os geômetras na rua; por que os capitalistas nas suas casas; por que as diabas-antenas não atropelam os músicos nas suas cabeças; por que a minha namorada não me matou". Aposto um mamão contra a eternidade que a mulher ia responder; mas um aeroplano que passava atirou uma bomba de tinta Eureka na cabeça dela. O ar ficou tão lavado e transparente que eu pude distinguir com nitidez a linha que vai do equador ao pólo; em cima dela um japonês se equilibrava, jogando bilboquê com a cabeça de um chinês.


Murilo Mendes