28 de setembro de 2005

CAIU A CASINHA


The Tower / Lunaea Weatherstone


Uma aluna me perguntou novamente sobre o tempo no Tarot - e eu me pergunto, pra quê? Datas são datas que são datas que são datas. Há uma evolução na leitura que permite perceber onde o tempo se acomoda, onde sai correndo.

Uma noite dessas - bad night, bad trip - tirei a famigerada "Torre Abatida pelo Raio", vulgo "A Casa de Deus" (Deus? Sei ...) Como não dou mole pro destino, tratei de ir buscar a cura no Sol. E quanto mais escrevia sobre o Arcano XIX, mais os raios me queimavam nesse maldito frio curitibano. Não importa, fiz o que precisava ser feito, saí da carta inspirada pelo imperador e pelo arquiteto cabriolando - eu poderia dizer manquitolando, mas deixa pra lá.

A Torre pede a reconstrução promovida pelo Sol. A Estrela inspira, respira, espera, no entanto (sempre os advérbios) segue-se a Lua, o momento mais solitário e triste do caminho. Só o Sol cura, só ele pode cicatrizar. Só sob seus efeitos se constrói um muro novo, com tijolos recém saídos da olaria. Tijolos que apenas protegem, não escondem. Com a Torre cai aquilo que não nos pertence e por isso nos liberta - apesar da dor. É uma construção intelectual que desaba. Uma idéia falsa. O Amor, o Sonho, a Resposta, moram em outro lugar. O trajeto então se dá: A Estrela, A Lua, O Sol.

Hoje o sol está querendo sair na gélida Curitiba.
É Primavera. Dizem.

Tempo? Alguém falou em Tempo?

Zoe

23 de setembro de 2005

O MergulhO nO OlhO do SOl


Sunny e Sunset / Charlene Arsenault


Fortuna MaJor. Fogo, ouro puro, diamante. Gato amarelo de juba régia, palácio de cristal. Olho de castanha. Copa em flor, pedra preciosa. Estrela de âmbar. Puxar o Sol para baixo, multiplicar de novo cada chama sob lentes de aumento: o sol dentro. O sol dentro. O sol dentro. Sua mão, gota de mel.

Eis o jardim:


Arcano XIX / Oswald Wirth

Sob o olho do Sol tudo se esclarece – é perfeita a nitidez dos contornos, a delicadeza brutal de cada traço. A verdade explode em raios e queima o que procura a sombra antes que possa se esconder. Não há mentira entre os gêmeos solares – podem expressar seu amor sem medo, em explosão vital. Coração no coração. A Temperança fez sua Arte. Estamos nus e não há vergonha. Há desfrute, não medo. As lágrimas caem férteis, donas do milagre da chuva. O afeto é a sua manifestação. A razão deu a mão ao sentimento. Pureza, dom, claridade. Protegidos pelo têmeno sagrado - quem levaria uma vida para desvendar o Sol? Depois da noite só há o dia. E dentro de mim, noites com sol. Na manhã, abro a janela. Ofereço o receptáculo àquele que emana a Beleza, a Força, a Virtude, a Graça. O dono da flor sem dono.

Recolho o orvalho na língua. De Ganimedes sorvo o que me destina. O Sol no palato na soleira do meu quarto. Hora de alçar vôo. Dentro do olho do falcão haverá um Dia.

Um dia depois de uma noite mais um dia.

Zoe de Camaris / Equinócio de Primavera, 2005

13 de setembro de 2005

Cupido e Psyche





O Amor está ligado à Beleza. Quando observei Cupido e Psyche de Rodin no Museu de Arte Moderna tudo se tornou uno e volátil ao mesmo tempo - ele e ela que eram um só. E belos, por serem dois. O corpo traduziu o que acometia à alma - pequenas borboletas elétricas brotando na pele. Era pedra, mas era pele. Não senti frio, mas era mármore. Era liso, mas vagueava contornos. Era água. E fundo, muito fundo. Não era azul nem era vermelho. Era lágrima mas não era triste. Não mais uma tradução da Beleza mas a face viva do Amor. Ver seu rosto. Puro. Quente. Ao meu lado.

De verdade.

Sim, é possível ver o Amor além de senti-lo. Psiquê foi punida não por observá-lo em seu sonho dourado mas por ter infringido uma lei até então desconhecida e sem a qual a Beleza não vive.

A Ética.

Há que existir Ética no Amor.

Se há Estética, há de existir Ética. Pois sem ela, Eros voa. Desprende. Escapa. E a beleza fica só. E o amor se enfeia.

Só há um caminho para o Amor. E as pedrinhas brancas que ladeiam essa estrada são feitas de delicadeza. Deve-se pisar leve. Mas são pedras e não cascas de ovos. É possível pairar sobre elas e depois soltar todo o peso que não se quebrarão. Você será sustentado para ganhar impulso. Acolherão seus pés com sandálias douradas. E será possível brincar. E olhar para as flores. E sentir calor. E conversar com o Bicho Papão. Desabar em carreira, serenar o ritmo. Deitar-se na estrada, dormir. Acordar. Percorrê-la.

Não dá pra amar de qualquer jeito.
Não basta o Amor substantivo sem o verbo que lhe dá Ânimo.
É preciso aprender a conjugar – que se enverede pelos caminhos do Érebo mas que, depois, se faça a luz.

O amor que eu vi, existe. E é Belo. E é Bom.



Hermit's Tarot


Se deito as cartas para mim - coisa rara - fico numa alegria só quando o Dois de Copas aparece, me sinto brindada. Embora diversos autores digam que o arcano funciona numa oitava menor que O Enamorado, me pare que aqui temos uma relação amorosa sem a sombra da encruzilhada que paira sobre o Arcano VI - o danado do Cupido deu um tempo, aquele garoto maroto que aparece nas guinadas do destino. Agora ele é, junto com Psychê, um dos protagonistas do Amor. A transformação de vinho em sangue, da água para o vinho, os processos de intimidade estão em questão. Não é o Ás de Copas a carta onde o Amor explode? Não são dois cálices que traz o Anjo da Temperança?

Zoe
05/10/05