27 de março de 2023

A Braçada | 10 de Paus | Robert Frost




10 de Paus



A Braçada



Para cada pacote que me abaixo e apanho

Deixo cair outro dos meus braços e joelhos

Toda a pilha desliza, garrafas e biscoitos

Coisas difíceis de serem arrumadas

E nada que eu pudesse perder.

Com tudo que possuo para segurar, mãos e mente

E coração, se preciso, farei o possível

Para manter seu edifício equilibrado em meu peito

Vou me abaixando para evitar-lhe a queda;

E depois no meio deles todos eu me sento.

Tive que deixar cair tudo no caminho

E tentar arrumá-los de um jeito melhor.


Robert Frost 

tradução de Rogério Kalinowski




The Armful


For every parcel I stoop down to seize

I lose some other off my arms and knees,

And the whole pile is slipping, bottles, buns,

Extremes too hard to comprehend at. once

Yet nothing I should care to leave behind.

With all I have to hold with hand and mind

And heart, if need be, I will do my best.

To keep their building balanced at my breast.

I crouch down to prevent them as they fall;

Then sit down in the middle of them all.

I had to drop the armful in the road

And try to stack them in a better load.


Robert Frost 







12 de maio de 2018

Orgulho e Paixão



O Tarot na Novela das 6



Cecília Benedito e A Lua, de Zoe de Camaris para o GShow



Sendo o Tarot um produto da imaginação humana é natural ver sua ligação com o mundo do Cinema, da Poesia, da Literatura e das Artes Plásticas. É possível identificar facilmente a presença dos arcanos em obras de arte, assim como é possível ler uma história através das cartas. Você conseguiria, por exemplo, identificar quais são os arcanos maiores presentes em Romeu e Julieta? E poderia modular os acontecimentos com os arcanos menores e as personagens das cartas da corte? Tente! É instigante e divertido. Só recomendo que depois do estudo, anote suas impressões e recolha as cartas. Uma vez eu analisei Macbeth e deixei o Tarot aberto na mesa, para anotar no dia seguinte. A noite foi horrível, podem acreditar.

Algumas noções de roteirização podem ajudar no seu trabalho. Recomendo dois livros: Story, de Robert McKee e A Jornada do escritor, de Christopher Vogler. Se quiser se aprofundar no assunto, arrisque As estruturas antropológicas do imaginário, de Gilbert Durand. 

As relações entre o Tarot e as Artes sempre nortearam meu trabalho. Quando comecei a cursar minha especialização em Literatura e outros sistemas semióticos no ICHS-UFOP, riam de mim quando falava sobre o Tarot. Mas eu bati sem parar nas mesmas 78 teclas e acabaram me escutando. Me cansa enormemente quando encontro alguém que considero inteligente e percebo que despreza o Tarot, relacionando-o unicamente com a adivinhação. Não reconhecer sua linguagem ótica, imagética, e que sua estrutura perfeita nos entrega uma experiência incrível de analogias e correlações é de suma ignorância. Interessante que não adianta tentar explicar, a pessoa se fecha em copas e fim de assunto. E, normalmente, essas pessoas são escritores ou ligados de alguma forma à Literatura. Curioso, não? 

Ultimamente a vida não deixado que eu curta tanto quanto gostaria o meu assunto predileto. Fico torcendo para que alguém me encomende um trabalho, mas isso quase nunca acontece. O que as pessoas querem é mesmo saber se o amor de sua vida vai voltar. Certo, é uma pergunta lícita, mas cansa... Ainda mais quando temos na nossa frente uma miríade possibilidades quando se trata do Tarot. Pois bem. Estava eu aqui atrapalhada com meus afazeres quando recebi uma proposta do Personare: relacionar arcanos do Tarot às personagens da novela Orgulho e Paixão. Oba! Até porque as personagens da novela foram inspiradas em obras de Jane Austen. 

Como a sinopse das personagem era muito curta e também para escrever algo fidedigno, fui atrás de Orgulho e preconceito, Razão e sensibilidade, A abadia de Northanger, Emma, Mansfield Park e Lady Susan. Claro que não deu tempo de reler tudo. Consegui tirar algumas dúvidas com Raquel Sallaberry, especialista no assunto e que mantém um site sobre Jane Austen em português. Grata, Raquel!

Claro que os textos para o GShow precisam ser curtos e acessíveis e também precisei contar com o poder de previsão do enredo para acertar minhas escolhas, o que não foi muito difícil em se tratando de uma novela das 6 e tendo em mão os romances, sem querer tirar do autor da novela, Marcos Berstein, a liberdade de composição e as possíveis surpresas na trama. Hoje, assistindo a novela, faria algumas pequenas modificações. 

Também precisei lidar com o Tarot de Marselha, deck utilizado pelo Personare. Eu teria escolhido o Rider Waite ou o Sevenfold Mystery, de Robert Place. Inclusive, temos alguns Tarots inspirados diretamente na obra de Jane Austen que poderiam servir maravilhosamente bem ao propósito. O Marselha não é inspirador quando se trata dos arcanos menores. A corte tradicional, formada por Pajens, Cavaleiros, Rainhas e Reis, também não ajuda nem um pouco em uma novela onde o destaque pertence às personagens femininas. O estilo de Pamela Smith no Tarot Waite daria conta do recado, mas ainda assim eu teria 3 cartas da corte masculinas para 1 feminina. Sim, as cartas reais podem representar aspectos ditos femininos em homens e aspectos ditos masculinos em mulheres, mas vamos combinar que fica estranho em um trabalho que precisa impactar e destinado a quem não conhece intimamente o Tarot, associar um Cavaleiro, por exemplo, a uma moça do início do século XX. Então tive que me virar com as restrições. Aliás, restrições são portas abertas para a criatividade. 

Aí está o trabalho. Espero que gostem!


Zoe de Camaris






22 de abril de 2018

Cartas Difíceis




Algumas cartas de Tarot são reputadas como "difíceis". Negativo e positivo compõe todo grande arquétipo, mas há um grau maior ou menor grau de dificuldade em encarar determinadas cartas, em especial o Pendurado, a Morte, o Diabo, a Torre e a Lua (os tópicos com links vão te levar para alguns textos aqui do blog).

A Roda da Fortuna e O Julgamento, no meu entender, são caracteristicamente neutras. A Roda rola, movimento giratório na linha do tempo, O Julgamento é mudança de paradigma.

Meu artigo neste mês de abril de 2018 no Personare foca na presença das cartas difíceis em leituras para relacionamentos amorosos, mas alinhava seus efeitos também em outros assuntos. Veja lá se gosta! 

Zoe de Camaris

4 de outubro de 2017

A Sacerdotisa, com Nena Inoue


No espetáculo “Para não morrer”, Nena Inoue aciona o arquétipo da Grã-Sacerdotisa, arcano II do Tarot.
Nua, coberta apenas pelos cabelos que caem como um véu sobre seu corpo, cercada de jarras e copos d'água, o fundo escuro contrastando com o trono branco manchado de vermelho, eis que se apresenta a personagem concebida por Nena Inoue, como num altar. Da velha que fala pela boca torta, observa-se a mão direita livre, a esquerda crispada, as pernas afastadas em forma de pinça de caranguejo.
O texto, baseado em trechos do livro “Mulheres”, de Eduardo Galeano, dá voz a histórias de mulheres que lutaram pela liberdade. Mulheres caladas que precisam ter suas histórias contadas, “para não morrer”, para não caírem no esquecimento. Um discurso sobre o silêncio.
A Sacerdotisa no Tarot é o arquétipo do mistério feminino, daquilo que não pode ser compreendido com palavras. No entanto, traz um livro em seu colo. A personagem/entidade de Nena Inoue abre o livro e através de uma fala prejudicada pela idade ou por uma doença, dá voz a estas mulheres, a todas as mulheres, trazendo à tona os nossos silêncios engasgados.
As mulheres de Galeano sangram. E nós sangramos junto. No arcano II do Tarot dormem os enigmas da concepção, da menarca e da menopausa. A lua, uma pitonisa, uma silbila, uma bruxa. Sua voz é a voz da alma. Sua mensagem está além da lógica. Apesar dos cabelos cobrindo sua nudez, as pernas abertas da atriz remetem à Sheela Na Gui (celta) e à Gauri (indiana), deusas com o sexo escancarado. Na Sacerdotisa habitam, em potência, todas as deusas da fertilidade.
A água em diversos jarros e copos cercando o trono parece conter um desejo de espalhar-se. A personagem enche os copos mantendo a distância necessária para aludir à quedas d'água. Água ainda assim insuficiente para lavar o sangue da experiência feminina, uma dor que parece estar sempre atrelada a alguma forma de amor. Amor pela terra, pelos filhos, pelo homem.
As polaridades, que na carta da Sacerdotisa estão marcadas por duas colunas, na cena se deixam entrever pela mão esquerda crispada (lado receptivo) e pela mão direita livre (lado ativo). O feminino magoado está no lado esquerdo. E destrava-se pelo poder da expressão de sua mão direita.
A Velha ri. Mas suas histórias querem nos fazer chorar. Mandos e desmandos, assassinatos, estupros, raptos. E o aparecimento de Maria Bueno, aquela que virou santa, no meio da história. A moça degolada pelo seu “namorado”, o soldado Diniz, recebe velas e rosas vermelhas no Cemitério Municipal de Curitiba, beatificada pelo povo.
A Sacerdotisa no Tarot também é conhecida pelo título “A Papisa”. Eu poderia contar, por exemplo, a história Manfreda Visconti, eleita como a primeira Papisa da seita gugliemita e que, segundo seus seguidores, iniciaria uma era onde as mulheres seriam as representantes de Deus na terra. A Igreja rapidamente cortou as asas dos gugliemitas e queimou a irmã Manfreda em 1300, exatamente o ano em que a nova era teria início. Cem anos mais tarde a família Visconti encomendou o primeiro jogo de cartas de Tarot e dentre os seus trunfos, a carta de numero dois viria a ser chamada de “A Papisa”. Ou seja, a história do Tarot também está ligada a um sacrifício feminino.
São diversas as convergências iconográficas e de sentido entre a carta e a cena. Saí do teatro com a impressão que Nena havia bebido algo dessa imagem no planejamento visual e no trabalho de corpo. Mas ela me disse que não. Curioso. Realmente, se você quer escutar a Sacerdotisa do Tarot falando, ainda dá tempo de ver o espetáculo.
E já que estou aqui costurando similaridades, a parceria de direção da peça é com a preparadora vocal Babaya. Fica difícil não lembrar de Baba-Yaga, a bruxa do folclore eslavo. Mas antes que eu comece a viajar demais, que fique o mistério no seu lugar preferido. Que é permanecer no espaço do mistério e da reflexão.

Zoe de Camaris


P.S.: Além da idealizadora e atriz Nena Inoue, a peça tem parceria de direção de Babaya Morais, dramaturgia de Francisco Mallmann, iluminação de Beto Bruel, figurino de Carmen Jorge e trilha original de Jo Mistinguett.

Espaço Fantástico das Artes
Alameda Princesa Izabel, 465
de 13 a 22 de outubro de 2017
às 20h.

Pague quanto vale/ Vale quanto pesa!

Os ingressos para o espetáculo seguem a política do “Pague Quanto Vale”, no qual o espectador tem a possibilidade de decidir o valor que deseja pagar pelo ingresso da peça.

6 de agosto de 2016

O Rapto de Perséfone

- A Virgem de Agosto -



As situações de crise são as que melhor refletem a necessidade de transformação. O fundo do poço é a mola que nos faz voltar à superfície, como diz a sabedoria popular. O mito de Perséfone, filha de Deméter, a deusa da vegetação e da agricultura, raptada por Hades, o deus das profundezas, ilustra simbolicamente como somos arrebatados da nossa felicidade por situações que nos levam à depressão e a decorrente dificuldade de reagirmos, estabelecendo um diálogo com a nossa consciência e negociando uma subida à luz com o equilíbrio reconquistado. Subimos diferentes de quando descemos; há um processo de maturação e integração da nossa sombra depois de passarmos alguns meses com Hades. 

O jogo, proposto pelo tarólogo Veet Vivarta em O Caminho do Mago, serve para que seja possível libertar Perséfone, fazendo justiça tanto a Hades quanto Deméter, e se aplica à administração de crises e para clarear situações do passado que ainda não foram compreendidas e assimiladas. 

A força de Hades mostrará o que precisa morrer na sua vida; a resistência ao rapto, a forma como vem bloqueando seus processos de transformação; os grãos de romã, onde se está perdendo energia; a seca de Deméter, as riquezas que não se expressam devido as suas desistências; a presença de Hermes, a ação correta neste momento, o acordo entre Hades e Deméter, a área da vida em que os ajustes precisam ser realizados e o retorno de Perséfone, no que resultará um trabalho comprometido diante da crise. 

A leitura deste jogo é feita por Skype ou WhatsApp (gravações de aúdio, para quem não tem disponibilidade de tempo) com as cartas do Tarot de Crowley. A duração é de 50 minutos e o valor da consulta é de 78 reais neste mês de agosto. Informações pelo e-mail: zoedecamaris@gmail.com.



"Perséfone, de belos olhos negros e braços brancos, filha de Deméter e Zeus, colhia flores despreocupada num dia de primavera quando uma fenda abre-se na terra. Da enorme fenda surge Hades, o de face invisível, senhor do Érebo, com seus cavalos negros. Hades havia se apaixonado e rapta a virgem, levando-a a contragosto para as profundezas. Deméter, inconsolável, sai desesperada em busca da filha. Os frutos secam nos pés, as flores murcham, a terra estéril sofre com a tristeza da deusa da agricultura. Mas Perséfone já não pode voltar do reino dos mortos: comera algumas sementes de romã e quem ingerisse alimento nos infernos não mais poderia retornar. É Hermes (alguns mitos apontam Zeus) que negocia com o deus das profundezas e, frente ao mundo desolado e seco, que Perséfone permaneceria apenas três meses com Hades e o restante do tempo, na superfície com sua mãe, criando a roda das estações".


Zoe de Camaris

15 de fevereiro de 2016

O Tarot Furtado

"O mundo impede que o silêncio fale"
E. Ionesco

PRÓLOGO


O Tarot é uma galeria de figuras enraizadas há seis séculos no imaginário ocidental. E para que assim seja reconhecido, o baralho filosófico de 22 cartas obedece uma organização e dinâmica peculiar na articulação dos seus conteúdos. Sem a manutenção do encadeamento numérico tradicional e a presença de determinados motivos iconográficos que o caracterizam, deixa de ser um Tarot. No entanto, por tratar-se de uma máquina de imaginar, é um campo aberto para releituras e vôos criativos. A imaginação que embalou sua gênese é também o que perpetua sua força representativa até os nossos dias.

O Tarot Furtado, idealizado por João Fasonare Acuio, propõe uma releitura surpreendente apesar de sua aparente simplicidade. As imagens não sofrem modernização ou adequações a um universo particular de signos, como acontece nos baralhos transculturais. Exibem as imagens tradicionais de Marselha, mais especificamente o Tarot Jean Payen. Sua singularidade é marcada pela supressão de símbolos fundamentais do contexto das cartas. O Mago, por exemplo, perde o seu chapéu-leminiscata e alguns instrumentos de sua mesa, fazendo com que se torne um mero prestidigitador de feira, um falastrão. Não tem a conexão com o infinito que lhe propicia um dito inspirado ou o poder de criar realidades inesperadas.

Um tarot pra tudo quanto é nego torto”, diz o autor, que relaciona sua criação a ícones populares de Curitiba, como Maria Bueno e Gilda. Um Tarot da Cidade. Uma carta achada ao acaso, um beijo roubado, uma oração. O daimon rondando as ruas, o coiote, o brincalhão, um gênio que perdeu a lâmpada e que, na sua procura, aciona o acaso. A Roda Fortuna está em cena.

Furtar é tirar de alguém algo que lhe pertence sem a sua permissão. E todos nós temos algo que nos foi tirado sem autorização consciente. Consciente. Porque muitas vezes abrimos a janela e criamos o ambiente propício para a entrada do ladrão. E ele vem na calada da noite e de manhã sentimos que algo sumiu, algo precioso, mas não sabemos muito bem o quê. Fica uma sensação de vazio e a falta nos acompanha, às vezes, por anos a fio.

O que nos foi tirado? Por que perdi a paz? Quem é o ladrão? Como pode nos ser restituído? E o que desejávamos, no final das contas, realmente? O que norteará nosso desejo? Estas são perguntas que o Tarot Furtado nos estende de uma forma física, indubitável, já que a imagem está arraigada no corpo e possui uma consistência quase material. Ao emudecer símbolos de cada lâmina dos arcanos maiores do Tarot, a falta comunica. E o espaço em branco, en reserve, identificado em uma matriz imagética arquetípica, exige preenchimento. O silêncio grita. A ausência é a evidência. O Tarot Furtado tem a característica de nos mostrar a pergunta e não a resposta.

A imagem de uma carta de Tarot é arrebatadora. Permite que se perceba, simultaneamente, todo um conjunto de elementos. As sensações visuais nos chegam como um todo, explodem frente aos nossos olhos. E para serem traduzidas pela linguagem escrita e/ou falada exigem um eixo temporal – só é possível enviar uma palavra por vez. E por isso mesmo, ante as cartas, o primeiro momento apreendido é o da sensação e não da palavra. É importante que se mantenha a reação frente a supressão de um símbolo, com o mesmo silêncio. Assim as impressões se multiplicam. A palavra é tardia e, como bem aponta Hegel, vem como uma mediação entre o corpo e o objeto.

O Tarot Furtado ganha quando apresenta o silêncio como sua primeira fala. E ganha mais quando é utilizado de acordo com a sugestão do seu autor. Segundo Acuio, há um procedimento inicial para que o Tarot Furtado se declare, um circuito mágico, um rito. Um rito que tem o poder de lhe devolver o que sempre foi seu, por direito. O tarólogo, ou aquele que ocupa o papel de tarólogo, é o mediador. Um agente do silêncio.

Na caixa, nos são apresentados dois conjuntos idênticos de lâminas. O primeiro é seu, o segundo é dado a alguém de sua escolha. Se você recebeu o seu Tarot de presente, para que se dê continuidade ao ritual, precisará de mais um maço. Você descobrirá no processo: 1) o que lhe foi roubado, no exato momento em que lhe é restituído; 2) quem roubou, quem é o ladrão; 3) qual é o seu verdadeiro desejo, enquanto disseca a trama. O Tarot Furtado é um tarot investigativo. Se você quer saber, vai descobrir.

Prepare-se, a história vai começar. A primeira leitura é única, o ritual é feito apenas uma vez. As cartas são embaralhadas. Peça ao Tarot o arcano que vai lhe restituir o que é seu. E ao mesmo tempo, diga o seu nome em voz alta. O nome possui uma grande força evocativa e mostra quem está no comando. É você quem pede o seu Arcano Restaurador. Embaralhe três vezes.

I ATO

Eis a primeira carta e a mais importante, o Arcano Restaurador, a que indica o que lhe foi furtado. Se, por exemplo, a carta é O Imperador, o que lhe foi roubado é a águia que falta no escudo, ou seja, a visão que todo governante precisa para que não se torne um déspota. O aparecimento da carta restaura o equilíbrio perdido, ou seja, lhe devolve a águia, o poder de enxergar longe e ir com afinco atrás daquilo que deseja. Não esqueça: a imagem é lida pelo símbolo (ou conjunto de símbolos) ausente(s). Sem o pássaro, o governante (de sua própria vida) fica apenas na defensiva. Mas quem roubou a águia da carta? Este é o segundo passo, descobrir o ladrão.

II ATO

O segundo conjunto de cartas é então entregue e apresentado ao destinatário de sua escolha. Mas antes que você possa descobrir o ladrão, sorteará o Arcano Restaurador para o seu presenteado, repetindo o primeiro processo. A indicação é que esta carta não seja interpretada pelo tarólogo embora seja importante a escuta, o que a pessoa sente e tem dizer a respeito. Prepare os ouvidos e feche a boca. O Tarot Furtado inverte o processo tradicional de leitura das cartas.

Agora, de posse do seu baralho, peça ao presenteado que tire uma carta do maço para você. A carta lhe apresentará o bagunceiro, o daimon, o coiote, o ladrão. Vamos supor que saia O Eremita. Pois bem, foi este velho sem lamparina, lamparina que é símbolo de conhecimento e profundidade, sem luz, quem roubou a águia do seu Imperador. Talvez o ladrão não tenha feito de propósito. Talvez o ladrão seja só um agente do destino, o que faz a coisa toda se desenrolar, o criador da desordem. Sem luz para reconhecer o caminho, o Eremita pode ter se servido de qualquer outra coisa que estivesse à mão. Mas pode ser sim, o mal-intecionado: acolviteiro, eminência parda, conspirador. Ou pode ser você mesmo.

Deixe a imagem falar por si só. Lentamente, vá identificando os contornos do ladrão. Fale o que lhe der na telha e não espere por uma interpretação. O tarólogo irá escutar. E pontuar, se necessário.


III ATO

Agora, em segredo, você tirará o Arcano do Desejo, completando o circuito. Esta terceira carta é o seu ideal. Mais que um objeto de desejo, mostra o conjunto, o contexto, o agenciamento. Mais do que algo, deseja-se o algo e o seu entorno. Vamos supor que a carta sorteada seja A Roda da Fortuna. Ela será lida de acordo com a imagem do Tarot tradicional, ou seja, como se não faltasse na imagem a manivela que faz girar a roda. Podemos interpretar esta sequência hipotética da seguinte forma: O que lhe foi tirado é dom da visão arguta (a águia desaparecida do escudo do Imperador), e que lhe foi surrupiada pelo Eremita sem auto-conhecimento (falta a lamparina). Do momento em que A Roda da Fortuna aparece com a manivela no lugar onde deveria estar, há a possibilidade de que a vida volte a acontecer no ritmo desejado, ao menos como um “vir-a-ser”. A sorte lhe foi restituída no devir. O Arcano do Desejo nos dá o tema da leitura. Não conte a sua carta do desejo pra ninguém.

EPÍLOGO

O Tarot Furtado se revela no momento em que é dramatizado. Mas quando passei pelo processo (e o fiz lentamente, sem a angústia de um resultado) percebi que a interpretação geral (a conclusão que se tira das três cartas) acontece em vários níveis. Num primeiro plano as associações se referiram a algo bastante óbvio e conversavam com o cenário a que eu estava submetida no momento da leitura. Foi como se eu levasse um tapa na cara. A impressão permaneceu durante alguns dias até que eu percebesse que o resultado calava mais fundo na minha alma e não se referia a uma só situação emergente (embora fundamental). Vi a recorrência de furtos e ladrões no palco da minha vida. A mesma trama encenada por atores diversos em épocas diferentes; personagens que trocaram de roupa, mas fizeram o mesmo papel.

E sei que agora, de posse desta leitura única, poderei recorrer a ela em diversas situações quando a mesma tríade poderá se apresentar, mas agora, minhas atitudes frente a questão estarão em um diapasão diferente, em uma oitava maior. Então, o Furtado acontece no momento em que é dramatizado porém continua se desenvolvendo no tempo.

Mas então, você me pergunta, o Tarot Furtado só pode ser usado dessa maneira? Eu lhe diria que é bastante nutritivo manter o ritmo pausado de revelações que o procedimento mágico propõe. Vivemos em uma cultura de imagens, imagens sobrepostas em ritmo alucinante. Mal sentimos o que uma imagem revela e já estamos olhando para outra e, assim, sucessivamente. O Tarot Furtado é um convite à reflexão apurada quebrando o ritmo loquaz das imagens e criando uma área “de respiro”. 

No entanto, este conjunto de cartas pode ser usado por um tarólogo ou um diletante em uma leitura comum, principalmente quando o fio da meada interpretativa se perde. As três cartas são jogadas obedecendo a mesma regra, mas agora como método: 1) Arcano restaurador; 2) Arcano Ladrão; 3) Arcano do Desejo. Basta não esquecer que, ao contrário do que a prática comum estabelece (1. passado (ou tese) / 2. presente (ou antítese) / 3. futuro (ou síntese) no Tarot Furtado os atos são intercambiáveis. Ou seja, apesar da sequência obedecer uma ordem de tiragem, ela pode ser lida de trás para frente, de frente para trás, do meio para os lados... O Mago, aquele que inicia todos os trabalhos do Tarot, sabe bem como mexer seus pauzinhos. Embaixo de qual copo, diz o Prestigitador, está a moeda? Pois é, você não sabe. Pode estar embaixo de qualquer um. Tenha em conta também que o Arcano do Desejo não é a meta. O Desejo é como a Utopia: quando se alcança, já deixou de ser. O que realmente importa, segundo a visão de seu autor, seja no procedimento mágico, seja no método usado para uma leitura comum, é tirar a pessoa da esfera limitante da posição de número 2, O Ladrão, e certificá-la que ela recebeu o que lhe havia sido furtado e que ressurge na posição 1, A Restauradora.

E fique atento ao reaparecimento das suas cartas mágicas quando estiver jogando para alguém. Se a sua carta primeira (O Imperador) reaparece na posição 1 do consulente, é uma confirmação daquilo que lhe foi restituído. Lembre-se disso, parece que é preciso. Se a sua segunda carta (O Eremita) surge na posição 2 do consulente, cuidado. O ladrão está à solta novamente e exatamente naquele momento. Interrompa a leitura e retome dias depois. E se a sua terceira carta (A Roda da Fortuna) constelar a na posição 3, ah, que alegria. Você está perto de alguém que tem o mesmo desejo que você. Comemore!

A riqueza do Tarot Furtado reside na inversão de um olhar comum. Não é consulente que pede a leitura, ela é oferecida pelo tarólogo que sai de sua casa e visita o seu escolhido. O tarólogo pode pagar uma moeda ao consulente. A leitura, que normalmente é feita de uma vez só, aqui é concluída em etapas, respeitando a gênese do Tarot, uma Arte da Memória.

Atravessando o tempo, o Tarot Furtado ficará para sempre. Furtando o coração das cartas, Acuio nos devolve toda a loquacidade do silêncio. E o silêncio faz um barulho danado.


Zoe de Camaris

p.s.: Ah! Se você quer começar o circuito mágico e não ganhou um baralho de presente, fale com o João! Ele se oferece para tirar a sua primeira carta. Escreva para joaoacuio@gmail.com.


9 de junho de 2015

Existe Amor em SP

Estou indo para o evento Cartomancia em São Paulo. Eu e Leo Chioda faremos uma explanação sobre "As 22 Formas de Amar" a partir dos arcanos maiores de Tarot. Cartomancia acontece no dia 13 de junho, dia de Santo Antônio seguido ao Dia dos Namorados. A iniciativa é Priscilla Lhacer, economista e taróloga que está a frente da Presságio Editora. Esperamos você! 


21 de março de 2015

Vida de Tarólogo (I)


Hoje me fizeram uma pergunta de resposta óbvia, mas capciosa. Se eu, na minha profissão como analista de símbolos, sempre tomo atitudes ajustadas. Afinal, diz aquele que me inquiriu, sou uma taróloga de muita prática, de conhecimentos teóricos explicitados e acesso facilitado a uma ferramenta poderosa de auto-conhecimento, quiçá, de adivinhação. Antes de desconsiderar a pergunta resolvi escrever. Alguma coisa há de ser aproveitada no processo de reflexão.

As coisas não funcionam assim. Seria o mesmo que imaginar que alguém que trabalha com a Alma sempre estivesse em estado de Temperança, que todos os poetas fossem o retrato do equilíbrio, os psicólogos donos de suas neuroses e todos os filósofos, reis das escolhas acertadas.

O que eu tenho a dizer sobre os ganhos da minha vida pessoal frente a experiência profissional é que conviver intensamente com minhas questões, sem varrer o que não entendo logo de cara pra baixo do tapete, fez com que eu possa prever com relativa frequência o resultado de minhas atitudes. Quase sempre sei no que vai dar, mesmo que muitas vezes preferisse não saber para me sentir mais livre para experimentar e errar. Talvez minha visão se deva aos anos de vida somado ao tempo que dediquei à arqueologia do inconsciente reconhecendo minhas pulsões, incoerências e recorrências. E claro que, além da Análise, o Tarot também me ajudou bastante. Se meu instrumento de trabalho não houvesse me servido como meio de auto-reflexão, também não serviria àqueles que atendo.

Mas não tenho os números mega-sena íntima e duvido que alguma colega meu tenha. Tomo atitudes impensadas, faço besteiras, enfio o pé na jaca e me equivoco. Ninguém, e agora vou chover no molhado, mesmo aqueles que lidam diretamente com a Alma do Mundo, estão livres do erro ao lidar consigo, o que deve ser festejado, SEMPRE.

Penso que se você adia seus movimentos espontâneos, seus desejos, as opiniões do seu coração para manter o controle (controle esse que é ilusório, diga-se de passagem), a vida fica muito sem graça, previsível. Eu só tiro caras de Tarot para mim quando estou frente a uma encruzilhada e preciso tomar uma decisão importante, rápida e acertada, mas faço isso cada dia menos.

Decididamente, hoje, prefiro ter espetos de pau na casa de Vulcano.

Zoe de Camaris
p.s.: A imagem é Jake Baddeley, Sun & Moon.

11 de dezembro de 2014

As Três Espadas da Dor

"Mora na filosofia 
Pra que rimar 
Amor e dor".

Monsueto





















Dor. A dor de amor. A rima é pobre, mas multiplica-se exponencialmente em dobrões de ouro no baú da arte: música, poesia, literatura. Um tesouro de metáforas, sons e tintas. Dá ibope porque todo mundo já sentiu, sente ou sentirá um dia (e por longas noites, noites que parecem não ter fim) o coração trespassado pelas Três Espadas. “Do meu coração ela fez almofada furadinha de alfinetes”, acerta na mosca Dalton Trevisan.

Eu não queria falar sobre o assunto porque recordar é viver, mas a enxurrada de consulentes nos últimos meses com a mesma questão (de sempre) vinha me encasquetando. Quando isso acontece acabo achando que preciso me deparar com o assunto de forma mais profunda. Mas não estava nem um pouco a fim, juro pra vocês. Medo de escutar todas aquelas musicas bregas de novo; depois, todas aquelas outras lindas de morrer. Então deixei quieto até que vi uma imagem que não conhecia do arcano menor. E lembrei do coração que, um dia, desenhei em uma árvore. Tarde demais, já havia acionado a máquina do tempo. E um filme pulou do arquivo.





















Brilho eterno de uma mente sem lembranças. Para se livrar das memórias amorosas, uma máquina que tudo apaga. Fantasia constante na dor de cotovelo. Você quer esquecer imediatamente, uma piscadela de Jeannie, uma fórmula mágica para recomeçar a viver, chega de sofrimento. Mas não adianta. A engenhoca não existe. E depois, a questão pode ser bem mais complicada do que parece: apaixonar-se pela Tristeza. Manter a dor é manter alguma coisa da história que se foi. E o que mais dói são as boas lembranças. 

Hajo Banzhaf, ao interpretar o 3 de espadas frisa que essa imagem, comumente vista como uma tradução da dor emocional causada por sofrimento amoroso, ofusca o significado principal do arcano menor: a decisão tomada contra este sentimento. Aceito que toda carta traga em si sua solução, vamos explorá-la. Concordo também que é impossível fazer uma leitura de Tarot sem que se tenha em mente que o significado de uma carta é modulado por aquelas que a rodeiam, já que o Tarot é uma linguagem. O 3 de espadas em alguns contextos pode significar apenas alguma tristeza passageira ou uma dor antiga que ficou encalacrada.

No entanto, o impacto da imagem é revelador. Não há quem não identifique o coração trespassado como uma tradução vívida da dor emocional. Quem nunca desenhou um um coração ferido por uma flecha? Cupido sacana, garoto irresponsável. E quando da flechada se esvaiem gotas, uma poça de sangue? E precisava flechar três vezes?





















A Espada Branca do Abandono

O coração foi atingido por um vazio devastador. Um deserto de areias claras que nasce de uma nódoa, uma mágoa profunda. Poderia ser negra a espada? Sim, negra como Saturno, todos os nossos filhos devorados, um buraco. Estamos na fossa, negra pela ausência de cor. Mas branca como os cabelos brancos, branca como um tremendíssimo Nada. Nada que até desejaríamos escuro, pois aí então seria a Morte. É pela morte que clamamos quando começa a crise de abstinência, a angústia do aniquilamento. Mas o problema no auge da dor é que não estamos mortos. Pelo contrário. Acordamos e dormimos com a ausência. E a vida fica em branco, desintegrada. Desalento, abandono. A criança que perdeu a mãe. E o único colo possível se levantou apressado. Vulneráveis, estamos sozinhos e desabrigados no frio, na chuva. E sentimos Medo.

A Espada Branca do Abandono é a espada crucial, acerta no meio do coração. Vai ditar o tempo real em que permaneceremos na fossa. Tudo depende da sua autoestima. Da sua capacidade de nutrição. Do valor que tem perante a si e, mesmo que seja difícil admitir, perante aos outros. Do apoio que recebe. Do carinho amoroso que pode embalá-lo agora. A ternura salva. Mas não se esqueça que a Dor, assim como a Alegria, faz parte do caminho. Encare a dor da perda, viva o luto por tempo determinado. Combater a dor imediatamente  com remédios não é a saída. 

A carta que ressignifica a Espada do Abandono é o 3 de copas. O que não cabe na cabeça, o que a cabeça rejeita, pode caber perfeitamente no coração. As águas quentes de Copas podem derreter o gelo de Espadas, o frio egoísta do amante rejeitado. E o deserto transforma-se em um espaço de liberdade. 


A Espada Vermelha da Raiva

"Talvez as lágrimas não sejam mais do que isso, o alívio de uma ofensa", diz José Saramago. A tristeza confunde-se facilmente com a raiva. Para não chorar, gritamos, lançamos impropérios às estrelas. É o espaço da birra. Do ciúme, da vingança, os planos que arquitetamos para que aquele (a) que nos fez sofrer arda no inferno do merecimento. As armações, inevitavelmente prejudicadas por uma chama que coloca toda estratégia a perder. Não se pensa bem quando baixa o pano vermelho. Única cor quente entre as Espadas da Dor e também a mais perigosa. Um sopro de vida nos coloca em pé de guerra. O estado passivo dá lugar à ação. A raiva toma o lugar do tesão e da alegria. A agressividade como impulso vital em meio ao gelo do abandono. A Espada dos Inconformados. E dos assassinos. Gotas de sangue sobre a neve. Me disse uma vez um amigo sobre a raiva: "Você fica com o original e manda a cópia". Ou seja, a primeira vítima do veneno destilado é você mesmo. 

A Espada Vermelha da Raiva mostra que a energia existe. Está ao seu dispor. E que você pode transmutá-la em ânimo. Que depois de esmurrar travesseiros, dar um pique (vários) de bike e tomar um (diversos) banhos ultra especiais, aquele vestido ainda está no armário e os batons vermelhos, no prazo de validade. Só não caia na velha armadilha de tomar um porre. Assim, a volta da Espada Branca será inevitável. 

A carta que ressignifica a Espada da Raiva é o 3 de Bastões, A Virtude. Ultrapasse os limites que o mantém preso em espaços torturantes. Desmonte a área de conforto desconfortável. Transmute o fogo da Espada Vermelha explorando o desconhecido. O mundo está aí, em suas mãos. 


A Espada Azul da Saudade

O passado se mistura ao fluxo do presente e se lança no futuro. Nenhuma outra espada tem o poder de acionar a máquina do tempo como a espada azul. Na bruma blues da palavra, paira o monstro da esperança e da alienação. O retorno do ser amado, a volta ao paraíso, os planos traçados para quando ele perceber que sem você a vida não tem graça. A Espada Azul da Saudade pode apagar a ideia de abandono e também da raiva situado-se em um ideal que obinubila a realidade, agora azul-clara como os olhos de um cego. Cria-se um mundo de fantasia em que podemos habitar na hora em que nos der na telha. É espada que não se tira da pedra. A única que vingará para um amor vivido em techinicolor. Temos total liberdade para sonhar. Como a Hidra de Lerna e sua cabeça imortal! Lembram que Hércules destrói todas as cabeças da Hidra menos uma? Aquela que mesmo enterrada pode voltar à vida a qualquer minuto? Manhosa, esse espada.

A Espada Azul da Saudade exige que depois da choradeira, depois de escutar a mesma música por três (ou mais) dias inteiros, depois de lembrar do corpo dele (a) em seus menores detalhes com uma disciplina que faria inveja a um monge, a recorrência ao mesmo motivo seja lentamente deslizada para o trabalho. Cabeça vazia (cheia de lembranças) é a Oficina do Diabo. "Um passarinho/ volta para a árvore/ que não mais existe// meu pensamento voa até você/ só para ficar triste". Poema belíssimo que nos faz visualizar a imagem da saudade, de Alice Ruiz. Mas agora deu. Faça com que o passarinho pouse na árvore que está aí fora da sua casa, aquela árvore que você consegue ver. Se não isso não vai acabar nunca!

A carta que ressignifica a Espada da Saudade é o 3 de Pentáculos, o Trabalho. Reuna suas forças (mente, corpo e espírito em uma só direção) e lance-se em um projeto. Tome atitudes concretas para diminuir o tempo do devaneio.





















Nada deu certo?  Não é bolinho mesmo, ninguém disse que ia ser fácil (a decepção amorosa é o reino dos clichês). Mas eu ainda tenho algumas cartas na manga. Essa foi a que funcionou comigo. Vamos lá:

Imagine um monstrinho negro e peludo. Gordinho, redondo. Ele paira à esquerda da sua cabeça, um pouco mais para o alto. Ele se alimenta da sua autocomiseração, da sua raiva, dos seus pensamentos saudosos. Vamos emagrecer o bichinho. Mas antes o visualize (aqueles livros de imaginação ativa que você leu escondido de seus amigos intelectuais precisam servir para alguma coisa).

(...)

Pronto? Visualizou? Pois bem. Você poderia matá-lo com uma espada astral, mas iria dar um trabalho tão monstruoso quanto o próprio monstro. Então vamos pelo caminho mais simples, mas não menos efetivo. A inanição da forma-pensamento sangue-suga. Pare de alimentá-lo lentamente, com requintes de crueldade.  Quando ele estiver morrendo de fome vai ficar louco, sedento. Os pensamentos dos quais quer se livrar vão voltar com tudo e você vai dizer que essa tal de Zoe de Camaris está de estória. Calma, esse é o momento mais difícil. Mantenha a imagem. Veja o monstro peludo diminuindo de tamanho. Do negro vibrante azulado, ao cinza empalidecido. Não, não corra escutar Alone Again de novo, por favor. Você vai conseguir. 





















Talvez a alma de borboleta azul do bicho peludo nunca suma por completo. Mas a pior parte já passou. Você está livre para respirar, para trocar os espelhos de casa, os seus olhos voltarão a brilhar. Uma casca de cebola retirada é retirada para sempre. Você já deu vários passos. A projeção, o risco da dor, a beleza de amar estarão aí nessa vida de idiossincrasias sempre, ao alcance de sua mão. Porque é o que nos resta depois dessa experiência maravilhosamente horrível, não é? Crescer. 

Eu não inventei a magia do monstrinho. Está em um livro de magia prática que tem o Tarot como mote. Apenas a adaptei sem alterar a essência. Enquanto escrevia esse artigo, contei para minha irmã como funcionava. Ela gostou, mas disse ter uma bem melhor e de própria autoria. Vou colocá-la aqui porque no fundo ainda acho que só o Tempo, esse senhor que deve ser respeitado, é que dá jeito na dor de amor. E se você já tentou tudo, sais de banho, academia, psicanálise, meditações ativas; já rasgou as fotos, já roeu todas as unhas, encantamentos para cortar os fios, vale a marmelada antes da morte. Agora, só para mulheres:

Coloque uma roupa de príncipe encantado no seu príncipe. Meias rosadas, sapatos que viram na ponta com fivelas douradas, calçonetes bufantes, blusa idem (com algumas listras), pluma escandalosa no chapéu medieval. Imagine ele com um corte chanel, com as pontas dos cabelos escapando pelas orelhas. Escolha então um apelido "daqueles". Apelido que deve ser mantido em segredo e só usado em petit comite

E agora, por favor, ria um pouco!



Zoe de Camaris

P.S.: Agradeço ao amigo Marcelo Bueno, tarólogo de fino trato, por ter me acompanhado em aspectos teóricos e práticos enquanto formulava esse artigo.